- Eu preferiria – Avery disse.
- O tempo que você passou sozinha em casa... você acredita que te ajudou a melhorar ou atrapalhou?
- Acho que é um exagero dizer que ajudou, mas tornou as coisas mais fáceis. Eu sabia que não teria que lidar com o ataque das pessoas perguntando como eu estou.
- Você tentou falar com alguém durante esse tempo?
- Só minha filha – Avery disse.
- Mas ela rejeitou todas suas tentativas de se reconectar?
- Isso. Tenho certeza que ela me culpa pela morte do pai.
- Para ser sincera, provavelmente isso é verdade – Higdon disse. – E ela vai se dar conta disso no tempo dela. O luto de cada pessoa é diferente. Ao invés de fugir para uma casa no meio da floresta, sua filha escolheu colocar a culpa em você. Agora, deixe-me perguntar... por que você saiu do trabalho?
- Porque eu senti que tinha perdido tudo – Avery disse. Ela nem precisou pensar para responder. – Senti que tinha perdido tudo e falhado no trabalho. Não podia ficar, porque aquilo me lembrava que eu não era tão boa.
- Você ainda sente que você não é tão boa?
- Bom... não. Posso parecer arrogante, mas eu sou muito boa no que eu faço.
- E você sentiu falta do trabalho pelos últimos três meses, certo?
- Sim – Avery admitiu.
- Você acha que seu desejo de voltar é só para voltar a ter sua vida de antes ou você acha que pode ter algum progresso a ser feito lá?
- Então, eu não sei. Mas estou chegando ao ponto onde eu acho que tenho que descobrir. Eu acho que tenho que voltar.
A Doutora Higdon assentiu e escreveu algo.
- Você acha que sua filha vai reagir negativamente se você voltar?
- Sem dúvidas.
- Tudo bem, então vamos dizer que ela não está nessa conta. Vamos dizer que Rose não está nem aí se você vai voltar ou não. Você hesitaria em voltar?
A resposta atingiu Avery como uma pontada na cabeça.
- Provavelmente não.
- Acho que sua resposta está aí – Higdon disse. – Acho que, nesse ponto do processo de luto, você e sua filha não podem se intrometer uma no luto da outra. Rose precisa culpar alguém nesse momento. É o jeito dela de lidar com isso... e a relação difícil de vocês deixa tudo mais fácil para ela. E você... eu quero dizer que voltar ao trabalho é o que vai poder te ajudar.
- Você quer dizer? – Avery perguntou, confusa.
- Sim, eu acho que é o que faz mais sentido, dada sua história e seus relatos. No entanto, durante esse tempo sozinha, isolada de todos, você chegou a ter pensamentos suicidas?
- Não – Avery mentiu. A mentira foi fácil e sem arrependimentos. – Eu ando mal, de fato. Mas não tanto.
Sim, ela havia omitido seu quase-suicídio. Também não havia mencionado a encomenda de Howard Randall ao contar sobre seus últimos meses. Ela não sabia porque. Naquele momento, aquilo apenas parecia algo muito particular.
- Se é assim – Higdon disse, - não vejo problemas em você voltar ao trabalho. Mas acho que você deveria ter alguém como parceiro. E eu sei que pode ser difícil, pensando em quem era seu último parceiro. Mesmo assim... você não pode ser colocada em situações de muito estresse sozinha, pelo menos não já. Eu recomendaria que você fizesse um trabalho mais leve por enquanto. Talvez algo de escritório.
- Sendo sincera... isso não vai acontecer.
Higdon sorriu levemente.
- Então você acha que é isso o que você vai fazer? Você vai ver se a volta ao trabalho pode ajudar você a se livrar dessas dúvidas e culpas sobre si mesma?
- Logo, logo – Avery disse, pensando na ligação de Connelly, dois dias antes. – Sim, acho que pode ajudar.
- Bom, te desejo sorte - Higdon disse, estendendo a mão para cumprimentar Avery. - Enquanto isso, sinta-se à vontade para me ligar se precisar de algo.
Avery apertou a mão de Higdon e saiu do consultório. Ela odiava admitir, mas estava se sentindo melhor do que nas últimas semanas—desde quando havia finalmente encontrado uma rotina de exercícios físicos e da mente. Percebeu que, agora, poderia pensar mais claramente, e não porque Higdon tinha descoberto alguma verdade escondida. Avery precisava simplesmente que alguém a dissesse que, mesmo que Rose fosse a única pessoa restante em sua vida fora do trabalho, aquilo não significava que seu medo de como Rose a via deveria ditar como ela viveria o resto de sua vida.
Avery entrou em seu carro e dirigiu de volta até sua casa. Ela viu os prédios altos de Boston ficando para trás. A sede do A1 ficava a cerca de vinte minutos dali. Ela poderia ir até lá, visitar a todos e ser bem recebida. Poderia simplesmente tirar o curativo e ir até lá.
Mas ela não merecia ser bem recebida. Na verdade, ela não sabia o que merecia.
E talvez era daí que vinha sua hesitação.
***
O pesadelo daquela noite não era novo, mas havia apresentado uma mudança na história.
Nele, Avery estava em uma sala de visitação de uma prisão. Não era a mesma onde ela havia visitado Howard Randall algumas vezes, mas sim algo muito maior e quase com aparência grega. Rose e Jack estavam na mesa, com um tabuleiro de xadrez entre eles. Todas as peças seguiam no tabuleiro, mas os reis estavam caídos.
- Ele não está aqui – Rose disse, com sua voz ecoando pela sala. – Sua pequena arma secreta não está aqui.
- É isso – Jack disse. – Já é hora de aprender a resolver seus maiores casos sozinha.
Jack então passou uma mão pelo rosto e, num piscar de olhos, estava exatamente como Avery tinha encontrado seu corpo no dia de sua morte. O lado direito do rosto estava lavado de sangue. Quando ele abriu a boca para falar, não havia língua em sua boca. Havia apenas uma escuridão entre os dentes, um abismo de onde vinham suas palavras e onde, Avery suspeitava, Jack queria que ela estivesse.
- Você não conseguiu me salvar – ele disse. – Não conseguiu me salvar e agora eu tenho que confiar minha filha a você.
Rose levantou-se nesse momento e começou a se afastar da mesa. Avery levantou-se também, certa de algo muito ruim aconteceria se Rose saísse de seu campo de vista. Ela tentou seguir sua filha, mas não conseguiu se mover. Olhou para baixo e viu que seus dois pés estavam pregados no chão com pregos de estradas de ferro. Seus pés estavam machucados, uma mistura de sangue, ossos e carne.
- Rose!
Mas sua filha apenas olhou para trás, sorrindo e acenando. E quanto mais longe ela ia, maior a sala parecia. Sombras vinham de todas as direções enquanto Rose diminuía.
- Rose!
- Tudo bem – uma voz disse atrás de Avery. – Eu vou cuidar dela.
Ela virou-se e viu Ramirez, segurando sua arma e olhando para as sombras. Ramirez começou a seguir Rose, e as sombras vieram atrás dele.
- Não! Fique!
Avery tentou sair do chão, mas seus pés seguiam trancados. Ela pode apenas ver as duas pessoas que mais amava no mundo sendo engolidas pela escuridão.
E nessa hora ela começou a gritar, fugindo da sombra, com Rose e Ramirez sumindo da sala, tomada por gritos de agonia.
Ainda à mesa, Jack disse:
- Pelo amor de Deus, faça algo!
Foi nesse momento que Avery pulou na cama, com um grito saindo de sua garganta. Ela acendeu o abajur com as mãos tremendo. Por um momento, não pode entender o quarto enorme a sua frente, mas logo seus olhos se acostumaram com a luz. Olhou em volta pelo quarto e, pela primeira vez, perguntou-se se um dia se sentiria em casa ali.
Avery encontrou-se pensando na ligação de Connelly. E depois na encomenda de Howard Randall.
Sua antiga vida estava a assombrando, claro, mas além disso, estava invadindo a nova vida, isolada, que ela estava tentando construir.
Parecia não haver escapatória.
Então talvez—apenas talvez—fosse hora de escapar.
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