Gwendolyn não conseguia deixar de pensar em Thorgrin, em Guwayne.
Eldof sorriu largamente.
"Ah, sim", disse ele, olhando diretamente para ela. "O teu marido. O teu filho."
Gwen olhou para ele, chocada, questionando-se como é que ele tinha lido a sua mente.
"Tu queres tanto ajudá-los", acrescentou ele, abanando a cabeça. "Mas às vezes não se pode mudar o destino."
Ela corou e sacudiu as palavras dele, determinada.
"Eu vou mudar o destino", disse ela enfaticamente. "Custe o que custar. Mesmo se eu tiver de desistir da minha própria alma."
Eldof olhava para ela prolongada e duramente, estudando-a.
"Sim", disse ele. "Vais, não vais? Eu consigo ver essa força dentro de ti. O espírito de uma guerreira."
Ele examinou-a, e pela primeira vez ela viu um pouco de certeza na expressão dele.
"Eu não esperava encontrar isso dentro de ti", ele continuou, humildemente. "Há uns quantos selecionados, como tu, que têm o poder de mudar o destino. Mas o preço que vais pagar é muito grande."
Ele suspirou, como se sacudindo uma visão.
"Em qualquer caso", ele continuou, "tu não vais mudar o destino aqui - não no Cume. A morte está a vir para aqui. O que eles precisam não é de um salvamento - mas de um êxodo. Eles precisam de um novo líder, para levá-los através do Grande Desperdício. Eu acho que já sabes que tu és esse líder."
Gwen sentiu um arrepio ao ouvir as suas palavras. Ela não conseguia imaginar-se a ter força para passar por tudo aquilo novamente.
"Como é que eu os posso levar?", perguntou ela, exausta só de pensar. "E para onde é que nos resta ir? Estamos no meio do nada.”
Ele virou-se, caindo em silêncio, e quando começou a afastar-se, Gwen sentiu um súbito desejo ardente de saber mais.
"Diz-me", disse ela, correndo e agarrando o braço dele.
Ele virou-se e olhou para a mão dela, como se uma cobra lhe tivesse a tocar, até que, por fim, ela removeu-a. Vários dos seus monges precipitaram-se para fora das sombras e ficaram por perto, olhando para ela iradamente, até que, finalmente, Eldof acenou para eles, e eles retiraram-se.
"Diz-me", disse-lhe ele: "Eu vou responder-te uma vez. Só uma vez. O que é que desejas saber?"
Gwen respirou fundo, desesperada.
"Guwayne", disse ela, sem fôlego. "O meu filho. Como é que eu o tenho de volta? Como é que eu mudo o destino?"
Ele olhou para ela longa e duramente.
"A resposta tem estado diante de ti desde sempre, e ainda assim tu não vês."
Gwen atormentou o seu cérebro, desesperada para saber, e, no entanto, ela não conseguia entender o que era.
"Argon", acrescentou ele. "Ainda há um segredo que ele tem tido medo de te contar. É aí que a tua resposta está."
Gwen ficou chocada.
"Argon?", perguntou ela. "Argon sabe?"
Eldof abanou a cabeça.
"Ele não sabe. Mas o seu mestre sabe."
A mente de Gwen rebobinou.
"O seu mestre?", perguntou ela.
Gwen nunca tinha considerado que Argon tinha um mestre.
Eldof assentiu.
"Exige que ele te leve até ele", disse ele, com inevitabilidade na sua voz. "As respostas que vais receber vão surpreender-te até mesmo a ti."
Mardig pavoneava-se pelos corredores do castelo com determinação, com o coração a bater com força ao contemplar com a sua mente o que estava prestes a fazer. Ele esticou o braço e com uma mão suada agarrou a adaga escondida na sua cintura. Ele percorria o mesmo caminho que havia percorrido um milhão de vezes antes - o caminho para ver o seu pai.
A câmara do Rei não estava muito longe agora. Mardig fazia as curvas e contracurvas dos familiares corredores, passando por todos os guardas, que, ao verem o filho do rei, faziam a vénia em reverência. Mardig sabia que tinha pouco a temer deles. Ninguém tinha qualquer ideia do que ele estava prestes a fazer. E ninguém saberia o que tinha acontecido até muito tempo depois de o ato estar feito – e o reino era dele.
Mardig sentia um turbilhão de emoções conflituantes enquanto se obrigava a colocar um pé na frente do outro, com os joelhos a tremer, forçando-se a manter-se determinado à medida que se preparava para fazer o ato que havia contemplado a sua vida inteira. O seu pai havia-o sempre oprimido, nunca havia concordado com ele, enquanto havia concordado os seus outros filhos guerreiros. Até havia concordado mais com a sua filha do que com ele. Tudo porque ele, Mardig, tinha escolhido não participar naquela cultura de cavalaria; tudo porque ele preferia beber vinho e perseguir mulheres - em vez de matar outros homens.
Aos olhos do seu pai, isso fazia dele um falhanço. O seu pai havia desaprovado tudo o que Mardig fazia. Os seus olhos de desaprovação seguiam-no em cada esquina. Mardig havia sempre sonhado com o dia do ajuste de contas. E, ao mesmo tempo, Mardig poderia apoderar-se do poder para si mesmo. Todos esperavam que o reinado caísse nas mãos do seu irmão mais velho, Koldo, ou se não nas mãos dele, então nas mãos do irmão gémeo de Mardig, Ludvig. Mas Mardig tinha outros planos.
Mardig virou a esquina e os soldados que guardavam a porta fizeram uma vénia em reverência, voltando-se para a abrir para si sem sequer lhe perguntar porquê.
Mas, de repente, um deles parou, inesperadamente, virou-se e olhou para ele.
"Meu senhor", disse ele, "o Rei não nos informou que ia haver visitas, esta manhã."
O coração de Mardig começou a bater com força. Ele esforçou-se por parecer destemido e confiante; virou-se e olhou para o soldado, um olhar de legitimidade, até que, por fim, viu que o soldado parecia inseguro de si mesmo.
"E eu sou um mero visitante?", questionou Mardig friamente, fazendo o seu melhor para parecer destemido.
O guarda afastou-se rapidamente e Mardig entrou. Os guardas fecharam a porta logo a seguir.
Mardig pavoneou-se até ao quarto, e, ao fazê-lo, ele viu os olhos de surpresa do seu pai, que estava de pé à janela e olhas pensativamente para o seu reino. Ele voltou-se para, confuso.
"Mardig", disse o pai, "a que devo o privilégio? Eu não te chamei. Nem tu te incomodaste em visitar-me em nenhuma das luas passadas - a menos que houvesse algo que queiras."
O coração Mardig batia no seu peito.
"Eu não te vim pedir nada, Pai", respondeu ele. "Eu vim para levar."
O seu pai parecia confuso.
"Para levar?", perguntou.
"Para levar o que é meu", respondeu Mardig.
Mardig atravessou a câmara com alguns passos largos, preparando-se, enquanto o seu pai olhava para ele, perplexo.
"O que é que é teu?", perguntou.
Mardig sentia as palmas das suas mãos a suar, com a adaga na sua mão, não sabendo se conseguia ir até o fim.
"O reino, claro", disse ele.
Mardig libertou lentamente a adaga da palma da sua mão, querendo que o seu pai a visse antes de o esfaquear, querendo que o seu pai visse em primeira mão o quanto ele o odiava. Ele queria ver a sua expressão de medo, de choque e de raiva.
Mas, quando o seu pai olhou para baixo, aquele não foi o momento que Mardig tinha esperado. Ele tinha esperado que o seu pai resistisse, lutasse também; mas em vez disso ele olhou para ele com tristeza e compaixão.
"Meu filho", disse ele. "Tu ainda és meu filho, apesar de tudo, e eu amo-te. Eu sei que no fundo do teu coração, tu não queres fazer isto."
Mardig estreitou os olhos, confuso.
"Eu estou doente, meu filho", continuou o Rei. "Em breve, vou estar morto. Quando eu morrer, o Reino passará para os teus irmãos, não para ti. Mesmo se me matasses agora, não ganharias nada com isso. Continuarias a ser o terceiro na linha. Portanto, pousa a tua arma e abraça-me. Eu ainda te amo, como qualquer pai amaria."
Mardig, numa súbita onda de raiva, com as mãos a tremer, saltou para a frente e enfiou a adaga no fundo do coração do seu pai.
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