Marco Fogliani - Brincadeiras Do Desporto

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Alguns contos dedicados ao desporto (essencialmente ao futebol e ao fanatismo futebolístico, e ao fitness). Alguns pensados no futuro, mas todos de pura fantasia.

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Marco Fogliani

ISBN 9788873046080

Tradução de Aderito Francisco Huo

índice

O CAMPEÃO E O ESTUDANTE

PAISAGEM IMPRESSIONANTE

A PARTIDA SUSPENSA

O FUTEBOL DE HOJE EM DIA NÃO É COMO DANTES.

LOJAS DE ARTIGOS DE FUTEBOL

O VELHO MOTOR

A VOLTA EM BICICLETA

A ESTRANHA CHUVA

TRÊS DE DOIS

O CAMPEÃO E O ESTUDANTE

“Compreendeste a questão? Rapaz: estás a ouvir-me?”

Ricardo parecia ausente, completamente indiferente ao que lhe estava dizendo o professor cuja à presença encontrava-se sentado para enfrentar um exame universitário.

“Eh, rapaz: estou a falar contigo.”

O tom da voz estava a subir, sinal de que o docente estava a perder a paciência; mas a jovem assistente interveio em defesa do estudante.

“Por favor, não levantes a voz, professor. Uma vez tive que tratar com uma rapariga que sofria de uma forma ligeira de epilepsia. Ela também tinha uns momentos em que a mente ficava como estivesse ausente. Dizem que nestas situações a melhor coisa é esperar que eles recomponham-se. Deixa-lhes uns cinco minutos para recompor-se. Conheço-o bem, efetuou todos os exercícios e me parece um rapaz muito preparado: não é possível que não conheça esta particularidade básica.”

“Está bem. Se tem algum problema de saúde, ajudamos-lhe; mas não vai escapar se eu descobrir que está a gozar comigo. Seja como for não temos tempo a perder. Os examinandos são muitos. Passo para um outro rapaz, depois de ter terminado vamos ver como se sente.”

A assistente permaneceu sentada perto do Ricardo chamando-o suavemente pelo apelido, e depois pelo nome, e pouco depois conseguiu obter a sua atenção.

“Estás connosco? Agora te sentes bem?”

“Sim, direi que sim. Porquê? O que é que aconteceu?”

“Parecia estar algures. O professor falava e tu não lhe davas ouvidos.”

“Tens algum problema de saúde? Sei lá, já te aconteceu ter algum pequeno problema de amnesia momentânea?”

“Não, se não me engano. Ainda que ultimamente tive um sonho estranho. Sonhava que…”

“Então, rapaz: sente-se melhor agora?”, Interveio o professor que, vendo-o a falar, aproximara.

“Sim, sinto.me melhor.”

“Estás apto para começar o exame? Dos seus sonhos, se quiser, podes falar com outro qualquer.”

“Sim professor, estou pronto.”

A interrogação correu muito bem.

“Dou-lhe trinta, mas se me prometes de estar de olho na sua saúde”, propôs-lhe o examinador.

Ricardo consentiu.

O professor já tinha-se distanciado, enquanto a assistente prosseguia com o preenchimento da acta.

“Se te é útil, posso dar-te o nome de um meu amigo, docente em medicina e especialista em problemas neurológicos. É muito bom, e opera seja em instituições públicas como privadas.” Ricardo deu novamente sinal de sim com a cabeça.

“Não subestimar este problema: poderia ter más consequências também no teu procedimento escolar. Tens uma ótima media, e estou convicto de que, se não tivesse sido a tua falsa partida, teria tido também o louvor hoje. És muito magnífico, tens os papéis em regra para aspirar algo no campo universitário: bolsas de estudo, mestrado, especializações. A propósito, se quiseres começar já a aprofundar esta matéria na ótica da tese, podes vir ao meu encontro quando for o caso: neste departamento trabalha-se bem, e sabemos estimar quem trabalha bem.”

Ricardo arquivou também o exame com satisfação, preparando-se como de costume para alguns dias de descanso e despreocupações; contudo as palavras da assistente deixaram-no pensativo.

Refletiu não muito sobre a necessidade de deixar-se visitar (“talvez se me acontece ainda; mas um professor de grande calibre sabe-se lá quanto quer”, pensou), já sobre a oportunidade de começar a interessar-se à tese e a um futuro na universidade. Mas acima de tudo devia informar-se sobre as possibilidades de bolsas de estudo: sabia que para o papá era realmente um sacrifício fazê-lo estudar.

No domingo sucessivo estava já planificado que iria ao estádio em companhia. Não ia porque lhe parecia que custasse muito e porque não era tão adepto da equipa citadina como os seus amigos; mas desta vez a sua comitiva dispunha de um bilhete a mais. Adquiriram-no a um preço barato – lhe disseram – que era de um rapaz que não podia vir. Se tivesse aprofundado o assunto, Ricardo teria descoberto que fora um modo giro para festejar sem ferir o seu orgulho (porque dificilmente teria aceitado de vir sem pagar), e ao mesmo tempo realizar o seu desejo de ver ao vivo Raul Francisco, astro proveniente do futebol brasileiro.

“Pena porque Raul Francisco não joga na nossa equipa, mas contra. Ai de ti se torcer para a equipa errada”, lhe diziam os seus amigos gozando-o. Mas porquê – vos perguntaria – tanta curiosidade de ver em Acão tal jogador? Simples: porque todos diziam que Ricardo era muito parecido com ele. Até lhe acontecera que alguém o mandasse parar na rua e lhe pedisse um autógrafo, ou que lhe dissesse: “genial, és forte!”.

Nasceram no mesmo ano, embora em continentes diferentes.

“E com um pouco de sorte poderia ter-me tornado também eu”, pensava as vezes Ricardo. Talvez poderia também odiá-lo; e pelo contrário, vai compreender a mente humana, veio a ser o seu ídolo. Desde quando o tinha descoberto recolhia todas as fotos, todas as notícias que encontrava sobre ele.

Indo para o estádio sabia de coração que torceria para doze dos jogadores no campo, e para um mais do que os outros, também os seus amigos sabiam-no.

A noite antes da partida teve um outro sonho estranho. Lembrou-lhe algo, mas não contou para ninguém: “zombariam de mim”, pensou; será apenas a interiorização da emoção de ver o grande Raul”.

Recordava-se de ter estado no avião, com a sua mochila desportiva e o fato de treino amarelo e azul como aquele de todos os outros passageiros. Depois vira-se na praia ocupado numa interminável partida da bola, bonita mas fatigante, durante a qual mais de uma vez tinha também marcado e recebera elogios seja dos colegas como dos adversários. Mas lembrava-se de mais do cansaço; tanto que quando despertou de manhã lhe parecia estar ainda a sentir as barrigas das pernas e as coxas dolentes.

Para dizer que Ricardo não jogava a bola, precisamente não era muito capaz.

No domingo à tarde encontrou-se na bancada com os seus amigos e outros adeptos que faziam um barulho contínuo e inimaginável. Depois de um quarto de hora do jogo o resultado não tinha mudado. Estava claro pois que o melhor, no meio campo, era próprio Raul Francisco. Ricardo queria incitá-lo e regozijar-se pelas suas proezas, mas encontrando-se circundado de adeptos branco-vermelho-cruzados, ou seja da equipa da casa, devia-se conter. Ainda mais, para zombar-se dele, os seus amigos vaiavam regularmente contra o campeão brasileiro de todas as vezes que tocava na bola, e incitavam os defesas a cometer faltas perigosas contra Raul.

De repente houve uma mais violenta das outras relativamente ao tornozelo de Francisco. “Ainda bem, bem assim. Mais duro a próxima vez”, gritou um dos seus amigos esperando que o campeão tivesse que abandonar o campo.

O brasileiro permaneceu no chão magoado. Ainda que o autor da falta tivesse sido advertido, a reação dos adeptos àquela intervenção foi de unanime jubilo. Houve alguém que começou a explodir uns foguetes, numa espécie de descarga. No fim foi um, isolado, que para Ricardo pareceu muito mais forte mas a realidade fora apenas mais próximo. Ficou tonto; depois de um instante de surdez completa ficou com a vista ofuscada, tanto que sentiu a necessidade de fechar os olhos e de cobrir-se os olhos com as mãos.

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