— Parece uma ótima idéia — disse, afinal. — Vamos almoçar juntos na terça-feira, tudo bem?
— Fazer o quê?
— Estou um pouco apressado, agora.
— Você está um pouco…?, — começou Conina.
— Ótimo — considerou o gênio, e olhou para o próprio pulso.
— Ei, é essa hora mesmo?
Ele sumiu.
Os três miraram a lâmpada, em silêncio meditativo, até que Nijel perguntou:
— O que terá acontecido com aqueles sujeitos gordos, de calças largas, que diziam “Ouço e Obedeço, Ó Mestre”?
Creosoto resmungou qualquer coisa. Havia acabado de tomar a bebida. Era água com borbulhas, e tinha gosto de ferro quente.
— Não vou admitir isso — rosnou Conina.
Ela pegou a lâmpada e esfregou o objeto, como se lamentasse não ter uma pedra nas mãos.
O gênio reapareceu num lugar diferente, ainda a alguns metros da explosão fraca e da obrigatória nuvem de fumaça.
Ele trazia um aparelho recurvo e brilhoso na orelha, e parecia ouvi-lo atentamente. Olhou apressado para o rosto enfurecido de Conina e, mexendo as sobrancelhas e agitando a mão livre com urgência, deu um jeito de sugerir que, no momento, encontrava-se inconvenientemente preso a assuntos desagradáveis que, infelizmente, impediam-no de dar atenção a ela naquele instante. Mas que, tão logo se desvencilhasse daquela pessoa inoportuna, ela poderia ter certeza de que seu desejo, que sem dúvida era um desejo de brilho e esplendor, seria uma ordem.
— Vou arrebentar a lâmpada — avisou ela, em voz baixa.
O gênio abriu-lhe um sorriso rápido e falou, rispidamente, para o aparelho que mantinha preso entre o queixo e o ombro:
— Ótimo — disse. — Excelente. Está fechado. Pede para o seu pessoal ligar para o meu. Manteremos contato, certo? Tchau.
Ele abaixou o negócio.
— Imbecil — murmurou.
— Vou mesmo arrebentar a lâmpada — advertiu Conina.
— Que lâmpada é essa? — perguntou o gênio, às pressas.
— Quantas você tem? — quis saber Nijel. — Sempre achei que os gênios só tivessem uma.
Exausto, o gênio explicou que, na verdade, possuía várias lâmpadas. Havia uma lâmpada pequena mas bem montada, onde ele passava a semana. Outra, um tanto notável, no campo, uma lamparina rústica cuidadosamente restaurada, num imaculado distrito produtor de vinho próximo a Quirm. E, mais recentemente, ele comprara um conjunto de lâmpadas abandonadas na região portuária de Ankh-Morpork, que tinha grande potencial para virar o equivalente oculto de um complexo de escritórios e bar, quando o pessoal mais antenado descobrisse o local.
Os três ouviram admirados, como peixes que de repente se deparassem com uma palestra sobre como voar.
— Quem é o seu pessoal, para quem o outro pessoal tem de ligar? — perguntou Nijel, que estava impressionado, embora não soubesse por que nem pelo quê.
— Na verdade, ainda não tenho pessoal — admitiu o gênio, e fez uma careta com os lábios. — Mas vou ter.
— Todos quietos! — exigiu Conina. — E você nos leve a Ankh-Morpork.
— Se eu fosse você, eu levaria — opinou Creosoto. — Quando a boca da moça vira uma caixa de correio, é melhor fazer o que ela manda.
O gênio hesitou.
— Não sou muito bom em transporte — advertiu.
— Aprenda — ordenou Conina, jogando a lâmpada de uma mão para a outra.
— Telecinesia é uma dor de cabeça — insistiu o gênio, em desespero. — Por que não almoçamos…
— Chega! — irritou-se Conina. — Só preciso de duas pedras grandes.
— Tudo bem, tudo bem. Dêem as mãos. Vou fazer o possível, mas talvez seja um grande erro…
Uma vez, os astrofilósofos de Krull conseguiram provar, de maneira definitiva, que todos os lugares são um só, e que a distância entre eles não passava de ilusão. Mas a notícia foi um grande constrangimento para os filósofos pensantes, porque não explicava, entre outras coisas, as placas de trânsito. Após anos de brigas, tudo foi entregue a Yin Gha No, discutivelmente o maior filósofo do Disco (Ele sempre discutia, afirmando que era), que depois de muito pensar proclamou que, embora fosse verdade que todos os lugares eram um só, esse lugar era muito grande.
E, assim, restabeleceu-se a ordem psíquica. A distância, no entanto, é um fenômeno completamente subjetivo, e os seres mágicos podem ajustá-la para a sua conveniência.
Não são necessariamente bons nisso.
Rincewind estava sentado nos escombros enegrecidos da biblioteca, tentando entender o que havia de errado com eles.
Bem, para começar, tudo. Era impensável que a biblioteca pudesse ser queimada. Tratava-se do maior acúmulo de magia do Disco. Aquele era o sustentáculo da magia dos magos. Todos os feitiços já usados estavam escritos ali, em algum lugar. Queimá-los era, era, era…
Não havia cinzas. Muita madeira queimada, muitas correntes, muita pedra escurecida, muita bagunça. Mas milhares de livros não queimam facilmente. Eles teriam deixado pedaços de capa e uma enorme quantidade de cinzas. E não havia nada disso.
Rincewind mexeu no entulho com a ponta do pé. Só havia uma porta de entrada para a biblioteca. Havia os porões — dava para ver a escada que levava até eles, entupida de lixo —, mas seria impossível esconder todos os livros lá embaixo. Tampouco se poderia transportá-los por telecinesia. Eles resistiriam àquele tipo de magia. Qualquer pessoa que tentasse algo assim acabaria usando o cérebro em cima do chapéu.
Houve uma explosão no céu. Um círculo de fogo laranja formou-se na metade da altura da torre da fonticeria, subiu rapidamente e partiu na direção de Quirm.
Rincewind deslizou no banco improvisado e fitou a Torre de Arte. Teve a nítida sensação de que ela retribuía o olhar. Não havia nenhuma janela, mas por um instante ele pensou ver movimento entre os torreões em ruína.
Tentou imaginar a idade da torre. Com certeza, era mais velha do que a Universidade. Mais velha do que a cidade, que havia se formado à sua volta como biombo em torno de montanha. Talvez mais velha do que a própria geografia. Houve um tempo em que os continentes eram isolados, Rincewind bem sabia, e depois eles, de alguma forma, se acomodaram uns aos outros com mais conforto, como filhotes de cachorro numa cesta. Talvez a torre tivesse sido banhada por ondas de outro lugar. Talvez estivesse ali antes do próprio Disco, mas Rincewind não gostava de pensar assim, porque isso levantava perguntas incômodas sobre quem a teria construído e para quê.
Ele examinou a própria consciência.
Ela disse: Não tenho opções. Faça o que quiser.
Rincewind levantou-se e bateu a poeira e as cinzas do manto, tirando também bastante do veludo vermelho queimado. Ergueu o chapéu, fez uma tentativa preocupada de endireitar a ponta e botou-o de volta à cabeça.
E seguiu vacilante para a Torre de Arte.
Havia uma porta muito velha e pequena na base. O mago não ficou nem um pouco surpreso quando ela se abriu à sua chegada.
— Que lugar estranho! — exclamou Nijel. — Que engraçada essa curvatura das paredes!
— Onde estamos? — perguntou Conina.
— E tem bebida alcoólica? — indagou Creosoto. — Provavelmente não — acrescentou.
— E por que está tremendo? — insistiu Conina. — Nunca estive em nenhum lugar que tivesse paredes de metal.
Ela fungou o ar.
— Estão sentindo cheiro de óleo? — perguntou, desconfiada.
O gênio ressurgiu, embora dessa vez sem os efeitos da fumaça e do alçapão errante. Era evidente que se mantinha o mais longe de Conina que lhe permitia a educação.
— Estão todos bem? — quis saber.
— Isso aqui é Ankh? — inquiriu. — Só que, quando pedimos para chegar à cidade, esperávamos que você nos botasse num lugar com porta.
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